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Dadá e a "solucionática"

Por Jefferson Wanderley dos Santos

Data de Publicação: 19 de Fevereiro de 2015

A maturidade gerencial é conquistada no dia a dia, todavia há que se ter uma formação e base científicas para poder melhor se aproveitar do aprendizado do dia a dia.

A experiência que relato é pouco significativa se olhada de forma breve e sem reflexões, contudo quanto mais se aprofunda em reflexões mais proveito de suas lições se tira. Portanto sua essência evidencia a necessidade de se ouvir os colaboradores da ponta da linha e os demais setores que concorrem com a solução de um dado problema que você tenha, ou um "gap" de produtividade que irá gerar uma meta de melhoria.

Aprendi, na prática, com esta experiência que as soluções de problemas também encontram-se na forma inusitada do pensamento absolutamente "out of the box". As alternativas serão sempre bem vindas a partir de quem estava lidando, diretamente, com os problemas.

Bem, vamos a experiência. Ela ocorreu em Recife PE, quando era Diretor de Operações de um Esquadrão de Transporte Aéreo. O CEO estava, como deveria qualquer CEO estar, envolvido diretamente nos fatores políticos e sociais que permitiam, ou não, nós trabalharmos em paz e termos um razoável nível de produtividade, organizacional e individual, frente às constantes restrições orçamentárias. De sorte que executar o varejo cabia-me e procurava fazê-lo da forma mais eficiente possível dadas as possibilidades e "assets" que eu tinha.

Tínhamos um problema de conclusão de Diretriz de Comando. Eu não estava conseguindo dar o treinamento necessário ao efetivo de pilotos e mecânicos em lançamento de paraquedistas e havia elaborado uma análise de cenário PEST para que a conversa tivesse, ao menos, chance de ser ouvida nos escalões superiores.

As restrições financeiras e logísticas impunham uma solução com muita criatividade. Assim, uma manobra operacional em Campina Grande PB foi a solução apresentada em linhas de ação, comum em qualquer assessoria ao processo decisório.

O fator Político tinha ampla aceitabilidade não só junto a prefeitura da cidade bem como aos órgãos que nos dariam apoio deslocado de nossa sede, Recife PE.

O fator Econômico encontrou simpatia por economizar substancialmente em recursos de diárias, combustível de deslocamentos (o exercício era, comumente, realizado no Campo dos Afonso RJ, vizinho à Brigada de Paraquedistas).

O fator Sócio-Cultural também foi um dos pontos cruciais para lograr êxito não só junto ao efetivo interno bem como à sociedade local, em função de expectativas geradas, sobretudo, pelas radio difusoras paraibanas.

Chagamos ao fator Tecnológico. Surgiu o calcanhar de Aquiles.

Bem, em uma análise mais aprofundada do cenário, para se determinar a CAUSA do problema, ou do GAP, o setor de inteligência organizacional descobriu que havia um mercado negro de peças para aviões e era intenso, sobretudo no interior do nordeste e região norte, onde proprietários de aviões pagavam para ter as peças de forma não aconselhável, para dizer o mínimo.

O setor de suprimento ficava em um lugar um tanto remoto e o hangar já era velho, o que dificultava, ao lado da severa restrição de recursos, a implantação de sistemas de vigilância eletrônica. Os militares dos postos de vigilância tinham que se concentrar no pátio e eventualmente tinham como ampliar a ronda para o lado do hangar que sofria invasões. Era uma questão logística um tanto séria.

Instrumentos digitais de comunicação, navegação, regulagem de motores e aferidores de manutenção de motores e peças diversas dos sistemas elétricos e de propulsão, etc, sumiam aos pouquinhos, em pequena quantidade, mas sumiam. Portas e janelas não tinham qualquer sinal de arrombamento.

Bem, como já estava em andamento sindicâncias eu precisava tomar uma medida mais urgente. Ademais, o Comando Superior não estava nada propenso a permitir a manobra receando que o deslocamento de todo o efetivo, ao longo de uma semana, iria causar mais desfalques.

Tal notícia causou um alvoroço que tive que gerenciar meio que na marra para acalmar os ânimos, afinal, uma manobra como aquela era inédita para a maioria dos integrantes da Unidade Aérea.

Voltei a carga com reuniões diárias com os gerentes de setores. Aproveitei algumas prerrogativas e incluí setores de organizações de fora, a minha "cadeia de valor". Brainstorming, simulações, atas e relatórios passaram a ser prioridade e também elaborados em profusão.

O que eu conhecia de técnica gerencial era aplicada. Para comoção geral, poucos dias antes da manobra e novos sumiços de pequenas peças.

Estava eu dando uma de Domenico Demasi, em uma corridinha relaxada e, em pleno "Ócio criativo" veio-me a ideia de buscar o militar mais antigo na casa, de preferência um "cabo véio". Batata, a solução foi na mosca.

O cabo mais antigo tinha acabado de retornar de férias, havia antecipado a volta para se preparar para a manobra. Ele não era do setor prejudicado, mas a meu pedido examinou, minuciosamente, todo o ambiente. E retornou-me com a avaliação de cenário. "Chefe, o ladrão entra pelo buraco da caixa do ar-condicionado!".

Como poderia? Duvidei e ele levou-me ao setor.

De fato o aparelho era velho, fazia um barulho chato e precisava de manutenções constantes pela idade e frequência de uso. Motivos pelos quais, para facilitar, os militares do setor montaram uma bandeja sobre a qual o mesmo deslizava, para dentro, para ser retirado com facilidade. Afinal era de 20.000 Btu, um elefantasso branco, mas funcionava.

O ladrão era magro e com a ajuda de mais de um, pelo lado de fora, subtraía a trosoba refrigerante, entrava feliz e lampeiro e com uma lanterna fazia a limpa, sem deixar rastros. Ao sair recolocavam o aparelho deslizando-o, caixa adentro, pelo pallet.

O "cabão velho" pediu autonomia para resolver a parada. Claro que com pouco dinheiro eu aceitava tudo. Ele foi para o setor de usinagem, fez uma pequena grade com restos de vergalhões que encontrou, deu-se ao luxo de dar uma pintadinha com a tinta que achou, mas o suficiente para cobrir apenas um terço do buraco. Ele, o cabra, era um gênio.

Quando me mostrou ele vaticinou: "Chefe, nem que queiram conseguem passar o aparelho pelo buraco que sobra e o gaiato não passa por ali nem a pau!!"

Senti-me envergonhado de tão simples e efetiva e pelo baixíssimo custo, eficiente solução. Tudo tão singelo e logo após toda a metodologia de avaliação e processo decisório para conseguir recursos para obtenção de câmeras de vigilância. O cômico foi a cara de incredulidade "com maxilares quase deslocados" dos gerentes na primeira reunião matutina, no melhor padrão de Steve Jobs da Apple, de quem copiei a idéia. E a solução funcionou, os roubos acabaram e o Comando Superior liberou os recursos para a Manobra.

Eu tinha que fazer algo para registrar o reconhecimento àquela valiosa "prata da casa". Após o retorno da Manobra, no primeiro dia útil, coloquei a tropa em forma, e com o corneteiro, à frente da tropa dividida em três pequenos grupos, oficiais, graduados, cabos e soldados, puxei o desfile militar, breve, porém cheio de significado, prestando um "em continência à direita" ao cabo véio que, em pé, hirto e felicíssimo, no tablado destinado ao comandante, retribuía com uma "continência padrão de cabo véio".

Eu não tinha ações da empresa para lhe presentear de bônus, tampouco poderia promove-lo, o mais sensato e à mão, era a tropa desfilar, em reconhecimento, prestando continência a ele. A inédita e, porque não dizer, inesquecível devido aos idílicos perfumes das nativas locais...bem, prossigamos.

Durante o inexorável "churrasquinho de gato" que fazíamos para acalmar as pressões que não eram poucas, ele me falou da solução.

Com sua narrativa lembrei-me do técnico do Botafogo, dos idos anos 60, antes da Copa do México em 70, o inesquecível João Saldanha. Ele tinha umas técnicas inovadoras no "mercado" futebolístico fluminense. Era dele a ideia dos pontas, direita e esquerda, avançarem para o centro do campo, em direção ao bico da grande área, enquanto os laterais subiam beirando a linha lateral do campo. Ele chamava de "overlapping". Para nós, garotos de pelada descalça de várzea em Mesquita RJ, naquela época, ouvindo suas falas nos radinhos de pilha Eveready, era o máximo. Todos queríamos ser, também, o "centeralfesquerdo", "whateverthefuckitis". O nome era maravilhoso, pois dava um "quê" de sofisticação à velha e difícil posição de "meia-canhotinha", disputada em sua grande parte, por destros, uma vez que menino descalço canhoto era raríssimo. (Sorry, mas só quem jogou pelada de várzea naqueles anos sabe o que estou dizendo. rs rs).

Prosseguindo a história, o Saldanha com toda sua tecnologia inovadora, chegou a delicada situação de não lograr êxito em, pelo menos, empatar com o Bangú, também time carioca, para avançar à final do daquele campeonato. Apenas empatar estava dificílimo contra aquele time de "sapateiros", ainda mais baixando o sarrafo por nada a ter para perder. Aos trinta minutos do segundo tempo Saldanha, desesperado com seu insucesso e ante a enorme pressão da torcida, manda o Dadá Maravilha se aquecer.

Dadá entra no jogo, saracoteia desengonçado do jeito que só ele sabia andar e correr e tenta, tenta, e nada. Tenta, tenta e nada. Já aloprando com a ineficácia dos cruzamentos do "overlapping" que não "achavam sua cabeça" (pelo menos em cabeçadas ele era certeiro), ele abre os braços e reclama com Saldanha. A torcida parece querer pular o frágil alambrado.

Mas a defesa banguina não dava trégua nem espaço. O máximo que ele conseguia fazer era pular fora de tesouras e carrinhos duros. Até que um cruzamento inesperado vem mais alto. Ele corre, tropeça, perde o tempo da cabeçada mas apresenta o amplo plexo solar. A bola literalmente explode no peito dele e desequilibra, no contra-pé, dois beques e um desesperado goleiro, totalmente abatido sobre o ombro esquerdo virando a cara na grama para ver a pelota, serena e lépida quicando em direção à trave direita e, caprichosamente, parar no início da rede, logo após a linha branca. O Maraca e a torcida vieram abaixo em meio ao delírio, o empate garantiu a final e a cabeça do Saldanha no mesmo lugar. Lembro, até hoje, os repórteres acudindo e sufocando o ilustre herói que jogou por terra toda a tecnologia futebolística inédita.

Ao contar suas proezas o cabo véio, muitas décadas depois, e salvando o espeto de bambu com o churrasquinho de chã de dentro, relembra-me o fato contado por seu pai, já na casa dos setenta e me vaticina: "Chefe, como disse Dadá Maravilha!!", completou ele com ares de austera autoridade "se o senhor tinha a problemática, eu lhe dei a solucionática." Envergonhado, mas feliz e agradecido, assenti com prazer.

A valiosa lição de jamais ignorar a experiência vivencial da "ponta da linha" levei para o resto de minha vida.

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